domingo, 8 de março de 2009

HELENA ROSETA EM ENTREVISTA Á TSF: " - NÃO SEI SE O PS VIROU Á ESQUERDA OU Á DIREITA, TENHO A IMPRESSÃO DE QUE TEM OS PISCAS AVARIADOS."

João Marcelino (DN) e Paulo Baldaia (TSF)
Helena Roseta. Escolhida por António Costa para tratar de (re)habitar Lisboa, é clara nesta entrevista: será candidata a presidente da câmara se o seu movimento voltar a recolher as assinaturas necessárias. Quem quiser (leia-se o BE) poderá apoiá-la; mas ela irá a votos e depois trabalhará sem preconceitos com quem quiser servir Lisboa. No País, percebe-se, está alinhada com Manuel Alegre e repete as críticas ao partido de que já foi militante. Por agora não vê nenhuma viragem à esquerda no PS
Acredita que o PS virou à esquerda depois do último congresso?
Eu já disse, entre amigos: não sei se virou à esquerda nem se virou à direita, tenho impressão de que tem os piscas avariados. É tudo um bocado errático. De vez em quando dizem: "Agora vamos virar à esquerda." Isto não é assim!
Mas há marcas que são de esquerda. Casamentos entre pessoas do mesmo sexo, benefícios fiscais para a classe média, combate aos offshores?
Isso dos benefícios fiscais para a classe média, ainda não os vi. O que vi foi uma conversa de que iriam diminuir as deduções para os ricos, mas também não sabemos muito bem o que são os ricos para o actual Governo. Até agora, o que tenho visto são os grandes benefícios dados pelo governo à banca e a grandes capitalistas, a expressão é "grandes investidores nacionais". Os factos não estão de acordo com o discurso. Seria realmente uma certa reorientação do PS saber-se, nas lutas políticas, nas lutas sociais, de que lado se está. Tenho visto o PS, muitas vezes, do outro lado. Do lado da direita, com o grande apoio da direita.
Esta crise é uma luta de classes, na sua opinião? É o regresso da luta de classes?
Não é o regresso da luta de classes, mas esta crise mostra a falência completa das soluções neoliberais. O próprio Alan Greenspan, que era o presidente da Reserva Federal Americana, veio dizer, "enganei-me". Durante 20 anos, desde o Reagan, vivemos sob o dogma de que o mercado resolve tudo, e os mercados não resolvem tudo. Os mercados, quando desregulam, podem provocar problemas gravíssimos. Vimos o que aconteceu com o mercado financeiro. Para inverter isto é preciso políticas nacionais, europeias, globais. Estamos numa luta em que de um lado estão as pessoas a sofrer as consequências da crise e, do outro lado, estão as pessoas que provavelmente se aproveitaram dela.
De que lado está o PS?
Nem sempre tem estado do lado certo. Vejam o caso do código laboral.
Como viu o congresso do PS, aqueles dois dias de conclave?
Não vou dizer que foi uma missa, porque tenho formação católica e muito respeito pela missa como um acto ritual dos católicos. Agora, achei uma cerimónia muito virada para dentro. Se para algum sítio o PS se virou, evidentemente, foi para dentro. Num ano eleitoral, era o único sítio para onde eles não podiam virar. Teriam que virar para fora, teriam que virar para as pessoas, teriam que se identificar. Nós estamos com fracturas sociais gravíssimas. As pessoas compreendem que não se consegue resolver os problemas todos, compreendem que não há dinheiro para tudo. Mas o que não aceitam é ver tanto dinheiro deitado em coisas que depois não se repercutem na qualidade de vida. Esta questão do tratamento preferencial dado à banca, e a certas pessoas pela Caixa Geral de Depósitos, está a provocar uma revolta enorme. E acho que o PS não está a medir o grau da revolta, está a iludir-se um pouco com as sondagens que vai tendo. Era preciso estar mais atento às pessoas, e volto a dizer, saber de que lado se está. Outro caso em que eu acho que o PS se enganou completamente de lado foi no caso da luta dos professores. Não é possível sentir tanta gente no País todo a colocar uma questão tão grave, como a questão do estatuto, e da participação, e do papel do professor na reforma do ensino, e depois fechar os ouvidos. Um partido de esquerda não pode fazer isso.
Uma das marcas do discurso inaugural de José Sócrates no congresso foi a campanha negra, que ele diz existir, a propósito do caso Freeport. Acha que há aqui uma campanha negra contra o primeiro-ministro?
Eu já levo muitos anos de actividade política e sei, muitas vezes, que a publicação de determinadas notícias em determinadas alturas não é completamente inocente. Isso acontece. Agora, quem está na política tem que saber viver com isso. Quem não deve não teme, e portanto, não há campanhas negras. Pode haver alturas em que a pessoa apanha com muitas notícias desagradáveis, mas tem que ser capaz de as enfrentar. Acho que uma coisa dessas não pode condicionar a actividade política. Não somos ingénuos, sabemos que essas coisas existem. Agora, no caso Freeport, não acho que tenha a ver nada com campanha negra. O que é negro no caso Freeport é o tempo que isto demorou e está a demorar. Isso é que é negro! E é negro para o País e para toda a gente. O caso Freeport é exemplar de tudo que não deve ser feito. Não deve ser feita uma aprovação de uma alteração do ordenamento de território nas condições em que aquela foi feita; não devia ter sido produzida uma decisão no tempo em que o governo estava em gestão; não deviam ter sido feitas aquelas pressas de aprovar para facilitar a situação, mesmo que o presidente da câmara assim o pedisse; nunca deveria ter sido feita a transformação do uso que não era urbano - que era um uso reservado - para a construção de um centro comercial. Há aqui uma série de erros! Se isto fosse em Espanha, ao abrigo da actual legislação que considera o crime contra o território, essa aprovação teria sido um crime! Independentemente agora de saber se houve luvas, se não houve luvas. A polícia está a investigar, o Ministério Público também, descubram as coisas. As alterações do território, feitas muitas vezes de forma muito codificada, muito pouco transparente através da administração municipal e central, e até das CCDR, sem que os cidadãos sequer se apercebam do que é que se está a passar, têm levado a que haja enriquecimentos súbitos, de pessoas que tinham terrenos rústicos que de repente passaram a valer fortunas! Passam a valer fortunas porque houve uma câmara ou um governo que decidiu que ali se pode construir. E este enriquecimento não é apropriado pelo poder público, é apropriado pelo privado.
Acha que a lei alguma vez será alterada?
Tem que ser alterada, porque nós somos uma excepção! Em todos os países da OCDE, estas mais valias urbanísticas, por definição, ou são integralmente públicas ou são parcialmente públicas. Mesmo nos liberais Estados Unidos, estas mais valias são apropriadas pelo Estado, uma parte, pelo menos! Em Espanha suponho que é cerca de 20%, e é por lei que terá que vir à mão do estado. Em Portugal não, 100 por cento pode ir para o privado! Os PIN, Projectos de Interesse Nacional, feitos em zonas de reserva natural, por exemplo. Estou a pensar um no Algarve: suspende-se um plano director para, numa zona de reserva, se fazer um hotel de seis estrelas e depois diz-se que aquilo é um projecto de interesse nacional? Um hotel de seis estrelas?! Estão a brincar comigo! E aquilo representou uma multiplicação de valor que é da ordem que eu vos disse. Pode ser uma multiplicação de 200, 300, 1000 por cento, de um dia para o outro! Isto é um escândalo em Portugal! Eu fiz as contas de todo o território português que de 1985 até 2000 era rústico e passou a ser construído, deduzindo as estradas e os equipamentos públicos, quanto é que isto valeu em termos de mais valias, e cheguei à conclusão de que entre 1985 e 200 a transformação do território por esta razão representou 4% do PIB. Foi este o enriquecimento que foi parar à mão de particulares, porque temos uma lei absolutamente iníqua!
Já decidiu em quem é que vai votar nas próximas eleições legislativas?
Não decidi e não tenho em quem votar. E o drama não é só meu! Está à espera da evolução do PS?Não só do PS. Estou a olhar para todos os partidos. Há muita gente da minha geração, e sobretudo da geração das minhas filhas, que não se revêem em nenhuma das opções que estão aí.
Mesmo no Bloco de Esquerda?
Mesmo no Bloco de Esquerda. Eu tenho muita consideração pelo Francisco Louçã e gosto de o ouvir.Pergunto isso porque o Francisco Louçã, exactamente como líder do Bloco de Esquerda, admitiu apoiá-la. [Sem se interromper] Mas muitas vezes não estou de acordo com as posições do BE. O BE muitas vezes apresenta propostas, mas depois não dá o passo de assumir a responsabilidade de estar no poder para as desenvolver. Tem de dar este passo.
Acha que estamos no limiar do redesenho do mapa partidário português?
Não sei se isso vai acontecer. O que eu sinto é que estamos no limiar de um grau de abstenção para cima de todos os máximos, e é isso é perigoso para a democracia. Estou muito apreensiva, porque acho que há condições de revolta social, desencanto com os partidos políticos e crise, pessoas que estão a viver muito mal. A mistura destas três condições é perigosa. E como explica que, mesmo assim, o PS apareça à frente em todas as sondagens e muito perto da maioria absoluta?Não sei se esse muito perto corresponde à verdade. Dá-me ideia que há uma certa inércia e que as sondagens não estão a reflectir a verdade. Fazendo o paralelo com a campanha presidencial, eu recordo-me que as sondagens relativamente ao Manuel Alegre não davam nem pouco mais ou menos o resultado que ele teve, e foi só no fim, quando vieram os barómetros diários, que aquilo disparou. Muitas vezes tenho impressão que as próprias sondagens também precisavam de algum refrescamento.
Sente-se bem como independente ou gostava de ter um partido onde as suas ideias, e ideias de pessoas como o Manuel Alegre, fizessem caminho?
Eu, neste momento, sou independente mas tenho um movimento. Sinto-me muito bem com o movimento, não me sinto bem quando estou como independente sozinha. Tem sido uma experiência muito rica. É uma lógica de liberdade e de estudar as propostas e as políticas pelo seu mérito próprio. É tão diferente da lógica partidária que dá muita alegria.
Mas para influenciar na assembleia ou são partido ou tem de haver uma alteração da lei que permita que os movimentos se candidatem também?
Pois. Mas para já, também é importante estar a construir soluções na política local. Imagine que de hoje a amanhã apareciam movimentos com características deste género um pouco por todo o país. Podiam, talvez, constituir uma rede. Podia ser um passo interessante. Podíamos construir políticas novas de outra maneira. É preciso encontrar caminhos novos! Há muitos anos que faço esta análise: os partidos são organizações que eu chamaria de segunda vaga, são organizações de pirâmide que têm a ver com o tempo em que a sociedade se organizava em hierarquias como o exército, como a igreja, como as grandes organizações empresariais. E nos partidos políticos há um chefe, há uma disciplina, e as bases obedecem. A sociedade hoje não funciona assim. Nós ainda não encontrámos organização política para a rede. Estes movimentos sociais, ou movimentos de cidadãos que estão a testar novas formas de organização, são para mim uma grande oportunidade de pensar como é que nos podemos vir a organizar no futuro.Num ano com três actos eleitorais, as primeiras eleições são as europeias.
O único partido que até agora definiu o seu cabeça de lista foi o PS.[Interrompendo]
Não, há um outro partido. O Movimento Esperança Portugal também definiu Laurinda Alves. Entre os grandes partidos foi o PS.
Vital Moreira é um bom candidato?
No Bloco de Esquerda, também será o Miguel Portas. Não sei se o Vital Moreira irá conseguir fazer o pleno do eleitorado socialista. Acho que foi uma escolha mais uma vez um pouco táctica. Era preciso dar o tal sinal de esquerda.
Acha importante que a estabilidade seja garantida com uma nova maioria absoluta, seja ela de quem for?
As duas experiências que tivemos de maiorias absolutas em Portugal, desde o 25 de Abril, foram com Cavaco Silva e com José Sócrates e ambas caíram em erros, aliás, muito parecidos, que são um certo tique de que "já que temos a maioria absoluta a razão está sempre do nosso e, portanto, não aceitamos absolutamente nenhuma convergência nem nenhuma colaboração das outras forças políticas". Eu acho isto um tique autoritário e arrogante. E são as duas palavras que se usaram relativamente a Cavaco Silva, quando ele era primeiro-ministro, e são as duas palavras que estão a surgir relativamente a José Sócrates. Isto é negativo. Esta ideia de que precisamos de ter quem mande é uma ideia salazarenta. Precisamos de pessoas que saibam decidir, com certeza, mas há formas de decidir mais alargadas e mais abertas. A grande referência mundial para essa nova forma de agir é o presidente Obama. Ele tem estado a fazer um grande esforço para conseguir ter alguma convergência - e tem sido muito criticado pelos seus apoiantes por isso. À minha pequeníssima escala, que é a cidade de Lisboa, estou sempre a procurar soluções em que o conjunto dos lisboetas se possam rever. Isso, para mim, é mais importante do que se saber que se está deste lado ou daquele.
Vê medo também na sociedade portuguesa?
Vejo medo, mas não é o medo da polícia. Vejo o medo do futuro, muita insegurança, e medo de tomar posições que possam comprometer esse futuro.
Medo de desagradar ao chefe?
Muitas vezes. As pessoas querem não fazer ondas, porque não fazendo ondas não têm problemas. Há muito pequeno autoritarismo instalado em Portugal. Quer no público, quer em algumas empresas, há muitos pequeninos autoritários convencidos que mandam só porque têm um lugar de chefia. E tratam mal as pessoas! Eu posso falar da câmara de Lisboa onde tenho conhecido casos desses. As pessoas foram maltratadas com mudanças de vereação, e é uma das coisas que afecta também a política em Lisboa: muda a vereação, mudam as políticas. Vêm de novo, muda tudo outra vez. E as pessoas que colaboraram com os anteriores, muitas vezes, são maltratadas. Isto é inadmissível! Quem está no Estado, ou numa câmara, tem que trabalhar com todos!
.
Relativamente ao que se passa a nível de ordenamento territorial, haja finalmente alguém que, publicamente e sem rodeios, denuncia o que se passa:
A transformação das reservas do nosso território em zonas construídas (ou destruídas), não podem ser mais toleradas, como instrumento politíco para resolução de situações pontuais. Tem que se perceber que estas alterações, que só servem os interesses especulativos imediatos, irão esgotar, mais ano menos ano, as potencialidades turisticas do país e a sua transformação num lamaçal urbano, devido ao desaparecimento da sua beleza natural e ao desordenamento urbano. Com este tipo de atitudes compromete-se irremediávelmente o seu futuro, afastando-o defenitivamente da europa civilizada.
Antes que seja demasiado tarde, há que introduzir na legislação portuguesa, a figura do crime urbanístico.
Parabéns Helena Roseta!
Luis Marques da Silva

2 comentários:

Carlos Veiga disse...

Uma óptima entrevista de Helena Roseta! Gosto imenso dela :)

Abraços!

com senso disse...

Subscrevo integralmente:

"A transformação das reservas do nosso território em zonas construídas (ou destruídas), não podem ser mais toleradas, como instrumento politíco para resolução de situações pontuais. Tem que se perceber que estas alterações, que só servem os interesses especulativos imediatos, irão esgotar, mais ano menos ano, as potencialidades turisticas do país e a sua transformação num lamaçal urbano, devido ao desaparecimento da sua beleza natural e ao desordenamento urbano. Com este tipo de atitudes compromete-se irremediávelmente o seu futuro, afastando-o defenitivamente da europa civilizada.
Antes que seja demasiado tarde, há que introduzir na legislação portuguesa, a figura do crime urbanístico"

Dou igualmente os meus parabéns a Helena Roseta, pela sua lucidez e frontalidade e também ao autor deste blogue, Arqº Luis Marques da Silva por vir ao longo do tempo a colocar de forma inteligente estas e outras questões, que são, verdadeiramente o cerne dos nossos problemas.