segunda-feira, 27 de abril de 2009

"24 Horas" - "DE ONDE VEM O ÓDIO ENTRE MONIZ E SÓCRATES


Portugal - 04/27/2009


Moniz saiu da RTP com a chegada do PS ao Governo. Manuela saiu da antena da TVI quando a Prisa, ligada aos socialistas espanhóis, tomou controlo do canal de Queluz. As guerras do casal com os socialistas são actuais... e antigas

Não tinha de ser informado". Foi desta forma, seca, que o administrador da Prisa, Manuel Polanco, comentou o facto de o director-geral daTVI, José EduardoMoniz, ter sido apanhado de surpresa pela nomeação do socialista Joaquim Pina Moura como presidente da Media Capital, empresa detentora do canal de Queluz. Foi em Maio de 2007. Moniz estava insatisfeito com a escolha.
O PSD também. O vice-presidente laranja, Azevedo Soares, chegou mesmo a dizer que a escolha de Pina Moura visava um "controlo político, assumido sem qualquer disfarce e de forma ostentatória". Figura de "topo" do Partido Socialista, ex-colega de governo e amigo pessoal de José Sócrates, Pina Moura chegava poressa altura à liderança da TVI, acompanhado por outro quadro do PS, José Lemos, gestor no sector bancário. Apesar das críticas, o sector de informação do canal continuou a ser alvo de "ajustamentos". Alguns já tinham mesmo sido iniciados logo que o grupo Prisa assumiu o controlo da estação, cerca de dois anos antes, e que passaram pelo afastamento do ecrã da mulher de Moniz e subdirectora de informação, Manuela Moura Guedes. Na redacção havia quem antecipasse a saída do director-geral, não só pelas ligações de Pina Moura ao PS e da Prisa ao Governo espanhol, liderado porZapatero (outro amigo pessoal de Sócrates), mas também pela "urticária" sentida nalguns sectores socialistas sempre que recordam os tempos da liderança deMoniz naRTP ou a forma como a TVI lidou com o processo Casa Pia.
Em Abril de 2007, o homem-forte da estação de Queluz, então director- geral (mandava na programação e na informação), perdeu institucionalmente o controlo directo da parte noticiosa, na sequência de uma exigência dos novos patrões da empresa que separaram áreas de programação e informação. João Maia Abreu, até então correspondente em Bruxelas, foi nomeado director de Informação. Mas, pelo menos na aparência, suportou sempre bem a convivência com Moniz e Moura Guedes.
Frente-a-frente
Mas ainda houve uma tentativa de enterro do "machado de guerra". Sócrates e Moniz sentaram-se frente a frente uma única vez, num encontro promovido por Joaquim Pina Moura, meses depois da chegada deste à TVI. Adiscussão sobre as previsíveis mudanças do panorama do audiovisual português com a intenção governamental de promover a curto prazo a concessão de um quinto canal televisivo generalista abria uma porta para todos – Sócrates, Moniz e Prisa – saírem de forma airosa de uma situação de tensão que inevitavelmente teria de acabar em conflito aberto. Talvez tenha sido esse o pano de fundo da conversa a três e tudo indica que Moniz estava, nesse período em que decorreu a conversa com Sócrates, convencido de que teria a porta aberta para liderar um projecto de uma nova televisão competitiva.
Mas as coisas não correriam como ele esperava ou como lhe tinham prometido. O 24horas questionou o gabinete de José Sócrates sobre este encontro, não tendo obtido resposta em tempo útil. A chegada de Joaquim Pina Moura à TVI foi "lida" por diversos comentadores como uma tentativa de controlo do canal por parte do PS. Pacheco Pereira, num artigo publicado na revista "Sábado", estabeleceu um paralelismo com a liderança de Balsemão (fundador do PSD) na SIC, mas sublinhou as diferenças: "Balsemão é dono do grupo Impresa e não foi nomeado por ninguém por fidelidade ideológica para gerir o que não é seu, e Pina Moura foi empregado pela Prisa por afinidades ideológicas". "Governamentalização" e "tentativa de partidarização" foram expressões ouvidas aquando da ascensão do ex-ministro de Guterres num período marcado pelo "apagamento" do casal Moniz- Moura Guedes. Os dias de José Eduardo na TVI pareciam contados.
Pareciam. Aseu favor estavam os bons resultados alcançados, que transformaram a estação numa espécie de "oásis" no grupo Prisa, a braços com prejuízos contabilizados em muitos milhões de euros. Nascido em Ponta Delgada, a 6 deMaio de 1952, José Eduardo Moniz iniciou a sua carreira profissional de jornalista no "Diário Popular". Ingressou na RTP, onde chegou a chefe de redacção, passou pela Rádio Renascença e regressou à televisão pública, agora já como director, conseguindo sobreviver a sete conselhos de administração. Fundou uma produtora de conteúdos, a MMM, que entre 1993 e 1998 facturou 6 milhões de euros emséries como "A Mulher do Senhor Ministro" e "86-60-86", um programa de moda apresentado por Sofia Aparício. Em Maio de 1994, assinou em contrato de exclusividade com a estação pública, válido por três anos.
PS "força" saída
Com a chegada de Guterres ao Governo, em finais de 1995 (nuMoura Guedes foi eleita deputada independente nas listas do CDSPP, à época liderado por Manuel Monteiro), começou a falar-se na "dispensa" deMoniz.Mas seria necessário esperar pelo final do contrato para José Eduardo quebrar definitivamente os laços que o ligavamà RTP: "Foram 18 anos daminha vida demasiado importantes para poder esquecer", diria mais tarde, numa entrevista. Em 1998 entra na TVI. Sob a sua liderança, o então quase "defunto" quarto canal iria transformar-se em líder de audiências. Se foi com a chegada de Guterres ao Governo que Moniz deixou a RTP, foi com a ascensão de um dos delfins do guterrismo à presidência da Media Capital que se acentuou o clima de intriga nos corredores da TVI. Moniz resistiu. E ganhou.
Passados dois anos, Pina Moura deixou a administração da empresa. Entre amigos, José Eduardo reconheceu que o que conta "são os resultados" e disse que a "tensão" com o principal accionista da empresa é coisa "do passado". Manuela Moura Guedes havia deixado a apresentação das notícias a 16 de Dezembro de 2005. "Achei que o melhor era afastarme, para a paz da TVI. Se não era desejada, resolvi pôr-me de lado antes que se criasse qualquer mau ambiente", explicou, meses depois, numa entrevista ao "Diário de Notícias", na qual revelou guardar "desgosto e mágoa" pela forma como foi tratada. O regresso de Moura Guedes, várias vezes anunciado pelo director- geral, começou a ser "desenhado" através de um programa de entrevistas à elite política. Fosse pelo estilo agressivo de Manuela, para quem o exercício do jornalismo é incompatível com o "espírito de subserviência e do culto do senhor doutor", como desabafou à "Máxima", fosse pela desconfiança socialista relativamente ao seu "estágio" na bancada do CDS-PP na Assembleia da República, a verdade é que diversos ministros recusaram ir ao programa. O próprio José Sócrates terá dado uma nega à TVI. Tal como o, à época, ministro da Administração Interna, António Costa. A saída encontrada foi cancelar o reaparecimento deManuela. Um outro programa de entrevistas seria lançado, meses depois, com apresentação da jornalista Constança Cunha e Sá, editora de política e uma das profissionais daTVI mais próximas de Moniz.
Caso Freeport
"Boa noite. Sou a Manuela Moura Guedes". Um milhão e 200 mil pessoas assistiram ao regresso daquela que, um dia, se definiu como uma "rottweiler das notícias, agressiva e rigorosa". Foi a 9 de Maio de 2008 num "Jornal Nacional" em formato alargado e estilo contundente. As noites de sexta-feira passaram a ser uma preocupação para os assessores do Governo. Mas seria o relançamento do caso Freeport que viria "apimentar" as relações entre Moniz, Manuela e Sócrates. A 17 de Janeiro, o semanário "Sol" escreve que o administrador da sociedade gestora do outlet de Alcochete denuncia num DVD um alegado "pagamento de luvas" a um ex-ministro do governo de Guterres. Dias depois, surge a revelação de que o ex-ministro em causa é José Sócrates. As imagens do filme, gravado sob controlo da polícia inglesa, "saltam" para o horário nobre da informação televisiva, exibidas por Manuela Moura Guedes. ATVI endurece a investigação, sucedem-se reportagens e revelações sobre o processo. E, apesar de o director de informação continuar a ser João Maia Abreu, foi Moniz que, na passada quartafeira, veio a público defender os jornalistas da casa, acusados pelo primeiro-ministro de terem transformado a informação televisiva num noticiário "travestido, feito de ódio e de perseguição", ou uma "caça ao homem", na expressão do líder do Governo. A resposta demorou poucas horas. Moniz, que se orgulha de ser reconhecido na "praça" por ter "mau feitio, levantar a voz e bater o pé" – expressão que utilizou aquando de uma inquirição na Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) em Abril de 2007 –, foi ao principal espaço noticioso da estação dizer que se sente "pessoalmente ofendido" pelo primeiro-ministro. "Não sou cobarde, nem me escondo atrás de moitas ou de arbustos para fazer uma caça ao homem", garantiu José Eduardo, que anunciou a apresentação de um processo-crime contra José Sócrates. À semelhança, aliás, do que ManuelaMoura Guedes já havia ameaçado fazer. "Ninguém desmentiu qualquer informação por nós transmitida" no âmbito do caso Freeport, recordou o "homem- forte" de Queluz. Não é a primeira vez, nem deverá ser a última, que o directorgeral da TVI diz "ter a honra de ser mimado" pelas "cúpulas" do PS.
Já anteriormente, aquandoda investigação à pedofilia na Casa Pia, processo que a determinada altura "arrastou" a direcção socialista liderada por Ferro Rodrigues, Moniz deu o "corpo às balas" e foi alvo não só de duras críticas mas de diversos processos judiciais. Por sinal, todos arquivados. O que, na sua opinião, demonstra a existência de um "trabalho jornalístico sério e fundamentado do ponto de vista jurídico". Com Sócrates, o caldo "entornou- se" de vez quando surgiu a polémica em torno da licenciatura na Universidade Independente. E das alegadas pressões e interpelações a jornalistas, feitas através de assessores ou directamente pelo primeiro-ministro – quando ouvido na ERC, Moniz apontou casos concretos. "Houve uma situação do primeiro-ministro em Helsínquia a apontar o dedo a um jornalista nosso, por sermos a única estação de televisão a contrariar a lógica informativa", disse. Mas é agora, em torno do Freeport, que as críticas da direcção socialista à TVI atingem um tom nunca antes registado. Jornal primário Num artigo publicado no "Expresso", Arons de Carvalho, exsecretário de Estado da Comunicação Social, classificou o "Jornal Nacional" como "primário", "canhestro" e "pateticamente ineficaz", acrescentando ser "confrangedor verificar que este estilo, onde o rigor é absolutamente inexistente, subsiste há meses perante o ruidoso silêncio da regulação e da auto-regulação do sector". "Há quem considere que em democracia é possível condicionar o livre exercício do jornalismo", respondeu Moniz, em comunicado. Ele que, no início de Março, numa conferência na Universidade Católica sobre asmudanças no audiovisual, já havia ironizado sobre a acusação de "perseguição" ao primeiro-ministro: "Passámos da fase em que éramos um canal da facada, para sermos um canal de campanha negra". Numa das raras entrevistas em que fala sobre a sua vida privada, à revista "Selecções", Moniz diz que sabe ser "diplomata em algumas situações" mas reconhece que "noutras" é "tudo menos isso". "Quando estou firmemente convencido, faço mesmo o que quero, não tenho nenhum problema em ficar completamente sozinho", acrescenta. Desta vez, tem, pelo menos, a companhia da mulher. E os elogios da oposição a Sócrates. O24horas tentou contactar, de várias formas e insistentemente, José Eduardo Moniz, mas tal foi impossível até o fecho desta edição.

in "24 Horas"

1 comentário:

com senso disse...

Sinceramente não sei se está neste artigo a história toda.
De qualquer forma tudo isto resvalou já para um patamar demasiado baixo.
Eu, como mero cidadão comum, sinto-me profundamente desconfortável por ter um PM envolvido num caso com estes contornos.
A Justiça tem funcionado neste caso exemplarmente mal, o que acaba por ser uma ironia do destino, pois por uma vez um governante acaba por sentir aquilo que o cidadão comum anda há muito tempo a sofrer! Será que ele consegue aprender algo com isto?
Por outro lado, a mim, pessoalmente, os noticiários da TVI deixam-me bastante incomodado, pela sua falta de qualidade.
Quanto ao engajamento político dos jornalistas não considero nada de errado, excepto pelo facto de não ser assumido.
Não percebo porque é que os nossos orgãos de comunicação social, ao contrário do que fazem os dos países com democracias sólidas, não dizem abertamente que corrente política apoiam!
Com tudo isto só me apetece emigrar!