quinta-feira, 8 de maio de 2008

OPINIÃO DE ... OLGA ESTEVES, directora do pelouro da cultura da Universidade Sénior de Matosinhos / USR


A ACREDITAR QUE CADA UM TEM O QUE MERECE...DE FACTO NÓS MERECEMOS MUITO POUCO!...


Também tenho pena de não ter nascido norueguesa mas, apesar de tudo, dou graças por não ter nascido na Arábia Saudita ou no Sudão. Conheço uma parte da Noruega e o que conheci fascinou-me em todos os aspectos. Acontece que a Noruega tem, pelo menos, duas"coisas" que Portugal não tem: petróleo nacionalizado em abundância, que lhe permite um imenso wellfare social, associado a um imenso sentido cívico, cimentado desde a Reforma Luterana que, como sabe, é extremamente exigente quanto ao compromisso de cada um perante os outros, à cooperação social e, sobretudo ao culto da austeridade.Apesar de as pessoas viverem muitíssimo bem, terem boas casas, bons automóveis, terem bons barcos e segundas casas belíssimas de madeira sobre os fiordes, nada dá sinais exteriores de riqueza, de ostentação. As pessoas são relativamente reservadas, mas incapazes de ver alguém a precisar de alguma coisa na rua e não ajudarem. Vou contar-lhe uma experiência. Um dia resolvi visitar a casa museu do Rasmudsen, o explorador dos polos. É a cerca de 30 Km de Oslo, uma casa belíssima de madeira, sobre um fiorde. Fui de autocarro da rede pública, vi a casa e as redondezas e, quando regressei à paragem do autocarro verifiquei que o seguinte só viria daí a uma hora. Sentei-me no passeio calmamente à espera até que passa um automóvel com um casal de cerca de 60 anos. Param, riem-se para mim, dizem em inglês que já é costume os visitantes da casa museu não verem o horário do autocarro, eu confirmei. Então, convidaram-me para ir fazer tempo para casa deles, tomar um chá e conversar. Aceitei e lá fomos. Uma casa de madeira e vidro no meio de um bosque onde me disseram que "privam" com alces e corças no inverno, uma óptima biblioteca, um belo jardim,um belo gato, a serenidade e a elegância sóbria por todo o lado.Mostraram-me a casa, fizeram perguntas sobre Portugal, falaram-me dos filhos e netos e, no fim, resolveram que até precisavam de ir a Oslo fazer não sei o quê e... levaram-me ao centro da cidade. Não é delicioso? Não digo que os portugueses não sejam generosos e muitos até capazes de fazer de bom grado tudo isto. Agora, o comportamento cívico... o bom gosto sóbrio que paira em todo o lado...a honestidade...a capacidade de trabalho e decisão... o alto grau de escolaridade de toda a gente...isso os nórdicos, nomeadamente os noruegueses, são exemplares porque aprenderam há vários séculos a serem muito exigentes consigo próprios para o serem com os outros. Coisas que a cultura de raiz católica ensinou ao contrário: ao princípio do debate comunitário protestante opõe o princípio de autoridade cego e acrítico; para que este princípio funcion e e haja obediência, é necessário cultivar a ignorância; ao princípio da alfabetização obrigatória para toda a gente poder, pelo menos, ler e interpretar a bíblia (regra imposta por Lutero), opõe o Concílio de Trento o princípio do "bem aventurado o pobre em espírito" - claro, é o que não incomoda! E, contra o exemplo de austeridade das igrejas reformadas, cujo luxo era a música (Bach, Handel, etc), o bom órgão na Igreja, o coro afinado e a saber música, o evangelho lido e interpretado, a nossa Igreja opõe o luxo arquitectónico, o fausto, a incomunicabilidade(hoje menos) entre fieis e celebrantes, para que o poder destes se mantenha com a respectiva distância, o culto dos milagres e das crendices ignorantes. Tudo isto, de um modo e de outro, vai influenciar decisivamente os modelos sociais. E se se acrescentar ainda uma ditadura de quarenta e tal anos... num período do século XX em que as melhores sociedades europeias levaram â quase excelência a sua construção da democracia...
Isto é uma visão pessoal, subjectiva das coisas. Mas, pelo menos, partilhamos a admiração pelas sociedades nórdicas, particularmente a norueguesa. Peço que não fique a pensar que sou luterana ou qualquer coisa do género. Por acaso não sou, o que não retira nada ao meu apreço pelas normas morais e estéticas que construiram as sociedades reformadas entre os séculos XVI e XVIII.Aceito controvérsia.
'Na Noruega, o horário de trabalho começa cedo (às 8 horas) e acaba cedo (às 15.30). As mães e os pais noruegueses têm uma parte significativa dos seus dias para serem pais, para proporcionar aos filhos algo mais do que um serão de televisão ou videojogos.Têm um ano de licença de maternidade e nunca ouviram falar de despedimentos por gravidez.''A riqueza que produzem nos seus trabalhos garante-lhes o maior nível salarial da Europa. Que é também, desculpem-me os menos sensíveis ao argumento, o mais igualitário. Todos descontam um IRS limpo e transparente que não é depois desbaratado em rotundas e estatuária kitsh, nem em auto-estradas (só têm 200 quilómetros dessas «alavancas de progresso»), nem em Expos e Euros.''É tempo de os empresários portugueses constatarem que, na Noruega, a fuga ao fisco não é uma «vantagem competitiva». Ali, o cruzamento de dados «devassa» as contas bancárias, as apólices de seguros, as propriedades móveis e imóveis e as «ofertas» de património a familiares que, em Portugal, país de gentes inventivas, garantem anonimato aos crimes e «confundem» os poucos olhos que se dedicam ao combate à fraude económica.''Mais do que os costumeiros «bons negócios», deviam os empresários portugueses pôr os olhos naquilo que a Noruega tem para nos ensinar.E, já agora, os políticos. Numa crónica inspirada, o correspondente da TSF naquele país, afiança que os ministros não se medem pelas gravatas, nem pela alta cilindrada das suas frotas. Pelo contrário, andam de metro, e não se ofendem quando os tratam por tu. Aqui, cada ministério faz uso de dezenas de carros topo de gama, com vidros fumados para não dar lastro às ideias de transparência dos cidadãos.Os ministros portugueses fazem-se preceder de batedores motorizados, poluem o ambiente, dão maus exemplos e gastam a rodos o dinheiro que escasseia para assuntos verdadeiramente importantes.'
'Mais: os noruegueses sabem que não se «projecta o nome do país» com despesismos faraónicos, basta ser-se sensato e fazer da gestão das contas públicas um exercício de ética e responsabilidade. Arafat e Rabin assinaram um tratado de paz em Oslo. E, que se saiba, não foi preciso desbaratarem milhões de contos para que o nome da capital norueguesa corresse mundo por uma boa causa.' 'Até os clubes de futebol noruegueses, que pedem meças aos seus congéneres lusos em competições internacionais, nunca precisaram de pagar aos seus jogadores 400 salários mínimos por mês para que estes joguem à bola. Nas gélidas terras dos vikings conheci empresários portugueses que ali montaram negócios florescentes. Um deles, isolado numa ilha acima do círculo Polar Árctico, deixava elogios rasgados à «social-democracia nórdica», ao tempo para viver e à segurança social.'
'Ali, naquele país, também há patos-bravos. Mas para os vermos precisamos de apontar binóculos para o céu. Não andam de jipe e óculos escuros. Não clamam por messias nem por prebendas. Não se queixam do «excessivo peso do Estado», para depois exigirem isenções e subsídios.'É tempo de aprendermos que os bárbaros somos nós. Seria meio caminho andado para nos civilizarmos.

2 comentários:

Anónimo disse...

.....interessante análise e, boa observação em muitos pontos. Até os suecos, acham os seus vizinhos um pouco austeros e agarrados às tradições. Mas com as enormes receitas do petróleo, uma posição geográfica de periferia, quatro milhões e picos de habitantes para um território vasto e, uma migração reduzida....não será assim tão difícil de manter ordem no cantinho....

PS: Para um país com tanto dinheiro, a rede de estradas deixa muito a desejar (refiro-me somente à manutenção).

JA

Lesma Morta disse...

Belo artigo. Parabéns.

Jorge Santos Silva