segunda-feira, 27 de julho de 2009

A CAMINHO DE SERMOS NORMAIS?


A Constituição Portuguesa já foi várias vezes revista, mas sempre com uma timidez assinalável. Uma vez que a próxima legislatura o permite, é tempo de pensarmos em torná-la, digamos, normal...
Henrique Monteiro
8:00 Segunda-feira, 27 de Jul de 2009
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Tal como os relógios parados têm razão duas vezes ao dia, assim se encontra nas palavras de Alberto João Jardim, de vez em quando, alguma utilidade. O mais recente caso foi quando alertou para o facto de a próxima legislatura ter poderes constitucionais.
A nossa Constituição é, no essencial, um documento óptimo. Foi um trabalho profundo, levado a cabo há 33 anos e que, apesar das posteriores revisões, tem como único defeito estar datado e, por isso, influenciado pelo 'ar do tempo', o ar desse tempo.
Não se trata, como pretendeu Jardim, de proibir ideologias, ainda que totalitárias. Trata-se, justamente, do contrário: de retirar todas as ideologias, modas, ou desejos recalcados do texto da Lei Fundamental.
Começando logo pelo preâmbulo - numa expressão mirífica afirma-se que o povo português quer "abrir caminho para uma sociedade socialista" - e indo por aí fora, há muito trabalho a fazer para termos uma Constituição normal. Por exemplo, por que razão se fala hoje de "dissolução de blocos político-militares", como se vivêssemos na guerra fria? Por que são proibidos partidos de ideologia fascista? Por que razão, num país membro da UE a tarefa fundamental é "garantir a independência nacional" (transferindo fronteiras com Schengen, soberania da moeda com o euro, política externa, política agrícola, etc.)? Por que razão a Lei das leis quer prever tudo - direitos de consumidores, formação de Comissão de Trabalhadores ou o direito de resposta na Comunicação Social - questões que são obviamente próprias de leis ordinárias? Por que razão o método de Hondt, um método entre outros para distribuir deputados, está lá plasmado? Quem acha normal que uma Lei Fundamental postule que os idosos têm direito "a condições de habitação e de convívio familiar"?
Uma Constituição é para levar extremamente a sério. Não é um conjunto de desejos, nem de promessas. Se os idosos não têm condições de convívio familiar, que fazemos? Nada, como se vê! Pois bem, o que está na Constituição tem de ser cumprido na íntegra. É esse o devido respeito que se espera da lei mais importante do país!
E não se trata de deitar fora o essencial. Inúmeros artigos, como o 24º ou 25º que garantem a vida e proíbem a pena de morte, são um exemplo e honram-nos como povo, o que, de resto, acontece com grande parte do texto.
Mas todos nós, que éramos activos na altura em que foi redigida, temos mais de 50 anos. Somos crescidos, sabemos o que é uma Constituição e sabemos que a nossa ainda não é normal. Quem está serenamente disposto a corrigir este facto?
in "Expresso"

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