«Foi ontem publicado o Decreto-Lei n.º 73/2009 que aprovou um novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN), revogando a legislação anterior que vigorava há já vinte anos. Não se discute a necessidade de revisão de um quadro legal que, nalguns aspectos, surge como desajustado e obsoleto face à realidade actual.
Assim, e desde logo, o regime da RAN agora divulgado consagra a nova metodologia de classificação dos solos, conforme recomendação da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO/WRB).
Há, todavia, muitas críticas a fazer ao diploma publicado – a começar na total ausência de possibilidade dada às Organizações de Ambiente de participarem activamente na respectiva elaboração. Apesar de, aquando da aprovação em Conselho de Ministros, ter sido divulgado que o Decreto-Lei fora aprovado na generalidade para consultas, certo é que a única Associação consultada foi a Associação Nacional de Municípios Portugueses.
As razões estão á vista: as Câmaras passam a ser as exclusivas responsáveis por delimitar a RAN, no âmbito do processo de elaboração, alteração ou revisão de plano municipal de ordenamento do território – o qual, recorde-se, deixou de estar sujeito a ratificação em Conselho de Ministros, na sequência de mais uma alteração à legislação de ordenamento do território em que este Governo tem sido fértil.
A delimitação da RAN vai ser efectuada e aprovada a nível municipal pelas próprias câmaras sendo desde logo considerados não integrados na Reserva Agrícola, entre outros, os “solos cuja urbanização seja possível programar” ( cfr. Art. 10º ) e, pasme-se, “Na elaboração da proposta de delimitação da RAN deve ser ponderada a necessidade de exclusão de áreas com edificações legalmente licenciadas ou autorizadas, bem como das destinadas à satisfação das carências existentes em termos de habitação, actividades económicas, equipamentos e de infra –estruturas” (cfr. Art. 12º nº 3). Tal significa obviamente uma aplicação completamente discricionária e ampla em cada um dos municípios, não permitindo assim proteger os valores associados ao regime da RAN.
Outro aspecto que merece o nosso repudio é a simplificação extrema de procedimentos, bem como a diminuição dos prazos para emissão de parecer prévio por parte das entidades regionais da RAN, em caso de utilizações não agrícolas de áreas integradas na RAN, dos actuais 60 ou 90 dias (consoante os casos), para somente 25, equivalendo a não emissão de parecer dentro deste prazo, a parecer (tácito) favorável (cfr. Arts. 22º e 23º).
Recorde-se que face ao regime até aqui vigente, todas as utilizações não estritamente agrícolas de solos integrados na RAN, careciam de autorizações da Comissão Regional da Reserva Agrícola (CRRA) e as desafectações de áreas da RAN apenas estavam previstas em termos excepcionais.
Acresce ainda a referência no preâmbulo do diploma relativo à integração da actividade florestal na actividade agrícola o que pode levar à promoção da florestação de terras agrícolas acabando com o efeito dos espaços agrícolas como faixas de contenção do fogo. Por outro lado, determinadas culturais florestais, como os eucaliptos, podem significar a degradação de solos agrícolas e a competição com as culturas para produção alimentar.
A Quercus reitera, assim, a enorme desilusão pela postura do actual Governo em matéria de ordenamento do território.Lisboa, 01 de Abril de 2009A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza »
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A aprovação de mais este diploma legal, a par da também já aprovada lei do regime da REN (Reserva Agricola Nacional), vão permitir que sejam as autarquias a dispôr, na quase plenitude, dos instrumentos de intervenção no "ordenamento" do território.
Se, por um lado, o poder local deve ter aqui um papel fundamental, de intervenção real e útil, nas questões de ordenamento territorial, por outro lado as autarquias, por estarem demasiado perto dos interesses económicos e financeiros locais, vão passar a sofrer muito mais directamente as pressões sociais, económicas e políticas, inerentes á possibilidade de exercerem mais esta nova forma de poder e sabemos que aí, o peso dos votos conta muito, pelo que será mais uma vez, o território e o ambiente, a sofrer com possíveis actos especulativos.
Luis Marques da Silva
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