quarta-feira, 4 de junho de 2008

PORTO...ainda a propósito dos Aliados

Reconhecer os erros públicamente, é uma virtude que só poucos são capazes de assumir. Esta forma de estar, derivada de um bom e sólido carácter, fruto de uma igualmente boa e sólida educação, deveriam aplicar-se a todo o tipo de situações da nossa vida, sejam elas do fôro pessoal ou não.

Do "errar é humano" a "só não se engana quem não trabalha", máximas populares de reconhecido alcance internacional, fica-nos ainda mais a certeza de que o esforço sobre humano de assumir públicamente um erro por nós cometido, ficará extraordináriamente atenuado perante tal acto , libertando-nos em parte a consciência do peso da nossa culpa, tal purga á alma efectuada na sequência de penitência religiosamente consentida.

Não deveria pois custar, a Mestres ilustres, de reconhecidíssimo mérito, assumir que a principal contestação ás suas ideias e á sua intervenção na Avenida dos Aliados, não reside nas críticas "menores" e publicamente referidas no documentário agora exibido na tv, como a retirada dos canteiros do local, materializadas nas ridicularizadas "papoilas" ou "amores perfeitos"; aqui e agora, o que sempre esteve em causa é a destruição de património construído e a todos nós querido e respeitado: A calçada portuguesa dos Aliados.

Parece ter-se criado a ideia de que, uma intervenção para ser válida, mentalmente superior e contemporânea, tem que ser quasi destrutiva, como se adviesse de uma necessidade de marcação de território com "excreções mentais" da omnipresença do seu criador, sendo vista a manutenção simples e discreta do construído recuperado, como uma forma menos elevada do pensamento criativo.

Como nova forma de defesa pelo acto praticado, surge o velho e gasto apelo ao apoio do "Povo do Norte" , sob a forma do peregrino argumento fácil, "politico-futebolístico", usado geralmente para desviar atenções da realidade diária; Lisboa, como mal para todos os problemas.
Afinal, a calçada portuguesa, que estava colocada anteriormente, feita em basalto e calcário, materiais do Sul, é "moura" portanto:
-"Odiosa calçada que já não és digna da nossa Invicta. Vais ser toda substituida por uma digna desta cidade, nuns belissímos paralelos de granito cinzento"!
Argumento poderoso este que destrói qualquer tentativa de, um qualquer artista, tentar implementar a sua obra, numa qualquer parte do mundo; castração do inventivo génio humano que, a partir de agora, deverá considerar de uma falta de gosto, ao nível das mais medíocres traições ás intervenções urbanas locais, o "calçadão" do Rio de Janeiro e os passeios de Macau, Luanda e Maputo.

Retirar a água e o "verde" da base das estátuas, abolindo essa "bafienta" bareira de protecção natural contra actos de vandalismo e no seu lugar, criar umas bolachas de granito que "em nada" ofuscam a delicadeza e beleza da estatuária da praça; retirar os famigerados "canteiros miserabilentos" da praça, por não poderem ser pisados nas datas festivas da cidade ( o que irá acontecer á Alameda das Antas?), criando um lago com água, que também o não pode, tudo isso até me poderá passar ao lado porque poderá um dia, que não será de nevoeiro com certeza, ser fácilmente, repensado.

No entanto, o mesmo já não posso dizer em relação á destruição da calçada portuguesa que, quer queiram quer não, é a verdadeira, a legítima e a que melhor lá ficava. Foi um mal pensado acto gratuito e teimoso, não justificável com "timings" politicos, nem com apresentações televisivas fabricadas, onde num universo humano "alietório", "quasi iletrados" são postos com um ar estúpido e saudosísta, em defesa do antigo, em contra ponto com uma "nata intelectualmente superior" , defendendo a actual situação e, muito menos, com argumentos desgastados de guerras inventadas entre o Norte e o Sul.

Apesar de tudo e perante tamanha algazara provocada pela intervenção assumida, numa tentativa parecida com uma marcha-atrás mal metida e arranhada, criou-se a ilusão do antigo ambiente de romantismo, aplicando-se um mobiliário urbano que se enquadra na antiga Avenida, desenquadrando-se na intervenção actual, criando uma monumental trapalhada na coerência da lógica definida para o local. Foi como dar morfina para um tumor; o mal fica, mas atenua a dor.

O que aconteceu, foi uma intervenção injustificável, que retirou a alma ao coração do Porto:
Ficaria muito bem a quem, por direito próprio, é detentor de um percurso intelectual de tal forma elevado e referêncial para todos nós, assumir o desastre, ao invês de um continuo empenho numa apresentação mal justificada e aproveitar as ocasiões proporcionadas, para apresentar as desculpas devidas á cidade do Porto, sob a forma de uma ideia concreta que reponha a dignidade perdida.

2 comentários:

com senso disse...

Os meus parabéns pelo seu texto.
Entendo que os arquitectos têm um papel fundamental na nossa sociedade e devem deixar a sua marca nas cidades, contudo acho também que essa marca não se pode sobrepôr a outras marcas já existentes, as quais devem ser preservadas.
E com isto, digo que não se trata apenas de presevar imóveis consideradamente isolados, digo preservar a ambiência e a "personalidade" histórica desses locais.
Por isso mesmo concordo em absoluto com as suas palavras, que têm para mim ainda mais valor, por serem proferidas por um arquitecto.
Bem-haja.

Arq. Luís Marques da silva disse...

Agradeço as palavras amigas. Encorajam a prosseguir nesta luta por um urbanismo ao serviço do Homem, da harmonia da cidade e da sua sustentabilidade; talvez com menos clientes mas com uma grande honestidade perante a profissão que escolhi e de que muito gosto.
Se não se importar, vou colocá-lo nos blogs preferidos.
Abraço