Nesta voraz máquina do tempo em que nos embrenhamos diáriamente, atropelando a nossa existência sem nos apercebermos das nefastas consequências que daí advêm para a nossa vida colectiva, convem parar de vez em quando para pensar, ver e olhar o que nos rodeia para que, de hoje para amanhã não tenhamos que ser confrontados com factos consumados que nos irão provocar um eterno mal estar e um sentimento de culpa. Isto resulta de não sermos mais participativos e interventivos nos actos públicos, que nos condicionam socialmente e que interferem directamente no legado cultural que nos foi deixado, legado esse que devemos por obrigação, deixar ás gerações futuras devidamente conservado e qualitativamente ampliado.
Eu como cidadão do mundo e como arquitecto, já com algum amadurecimento, entendo que chegou a hora de começar a chamar a atenção para situações que considere atentatórias da boa arquitectura e do bom urbanismo não deixando de aplaudir sem peias nem com subserviências partidárias, aquelas que considere boas e propositadas.
Vem isto a propósito das últimas intervenções propostas e/ou aprovadas para a cidade do Porto que poderão alterar ou destruir irremediávelmente o património construído, nomeadamente a intervenção no mercado do Bolhão que ainda não se sabe bem como vai ser concretizada.
Ora depois de ter lido algumas considerações sobre o assunto nas parangonas dos jornais, fico com a sensação de que mais uma vez todo o processo nos vai passar ao lado e que no final , processo concluido, seremos chamados a assistir ao acto sublime da inauguração ao público.
O problema que aqui se poderá eventualmente pôr, e digo eventualmente porque até agora parece que o projecto é eventual, sendo certa sómente a adjudicação da construção e da exploração á TranCrone, é o de não sabermos se o uso final de toda a construção vai perpetuar as memórias necessárias á vivência da cidade do Porto naquel zona ou se a vai alterar drásticamente, descaracterizando-a.
O Porto precisa de ideias válidas mas especificamente diferentes que resolvam os seus problemas mais prementes, como é o caso da sua degradação e desertificação com todos os problemas sociais que daí advêm, mas que ajudem a preservar as suas características urbanas, tendo como base bons projectos e boas intervenções arquitectónicas e não de ideias estafadas e usadas á muito.
A requalificação urbana com a manutenção e recuperação do construído è, na maior parte dos casos, uma mais valia para a revitalização dos espaços: por contra ponto, a necessidade de tudo demolir e de tudo alterar, muitas vezes defendida por profissionais da matèria não é, a meu ver, a solução mais eficaz quando se intervem em zonas de tão grande sensibilidade.
Estas intervenções deverão na maior parte dos casos, reflectir o cuidado de mesclar a antiga população residente ou trabalhadora com novas gerações que permitam regenerar o tecido social da zona de intervenção evitando a especulação imobiliária com a consequente alteração radical do seu aspecto socio-cultural. Mais, evita-se também a marginalização das populações de menor poder de compra com a sua deslocação para as períferias ou para bairros de alta instabilidade, consequência de intervenções ditas de luxo que muitas vezes não são mais que de lixo.
A manutenção do nosso património, recuperando-o e dignificando-o, é a melhor política urbana a seguir e, no caso do mercado do Bolhão, será o único caminho para que este pedaço da cidade não passe a mais um espaço para condominio de luxo, fechado e virado para si mesmo: A política socio-urbana da cidade, está a transformar o centro do Porto num deserto, polvilhado por zonas comerciais, que será poventura o reflexo de uma maturada política social tendo como objectivo a criação de locais lúdico-culturais de despejo de populações mais marginais, com a vantagem de possuir vigilância privada. Portanto, problema resolvido!
Dá-me a ideia que o Porto, á semelhança daquilo que aconteceu e acontece ainda em Lisboa, está a saque; os quarteirões são despejados para serem entregues a empresas com uma lógica meramente economicista, que os reorganizam a seu belo prazer fazendo aprovar pseudo planos de ordenamento onde são inclusivè desclassificados monumentos de interesse público, permitindo a criação de tipologias e de galerias comerciais sem estudos sociológicos objectivos e válidos sobre as necessidades das zonas onde vão ser instaladas, para serem vendidos a preços espectulativos.
O comércio tradicional desaparece e, por este andar, o futuro será fazer vida de centro comercial, continuando a deixar as ruas desertas e ao completo abandono.
É caso para perguntar qual será a próxima vítima desta senda? Será o mercado Ferreira Borges ou o do Bom Sucesso? Será este o Porto que eu quero e que escolhi para viver?
1 comentário:
Belo artigo. Gostei muito.
Andrade e Silva
Porto
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